2017-07-09

ADAMASTOR


Não me suportam da minha pequenez.
São tão míopes que a chamam de altivez!
Acham-me tanso quando sou cortês.
Chamaram-me de tudo!
Mandaram-me ver Braga por um canudo.
Chamaram-me de tolo;
Que o meu vestir é de parolo,
Que careço de verniz,
Que pingo do nariz,
Que sou sem berço,
Se não tenho, não mereço!
Quem não tem não herda;
Mandaram-me à merda!
Comer palha!
Que não há quem me valha!
Mas a cada insulto,
A cada pedra lançada,
Escrevi o meu indulto,
E devolvi a pedrada!
Do alto da minha força,
Que permaneço de pé,
Apesar de tanto pontapé!
Se bem que se torça,
O meu rosto permanece afiado.
Mesmo sendo rejeitado,
Éis que permaneço,
Sólido rochedo!
Não estremeço!
Dos hipócritas dizem que sou pai,
Mas o rosto não me cai.
Inventai mais qualquer coisa,
Para escreverdes nessa loisa,
Onde sou alvo fixo.
Verborreia que debitais,
Imenso lixo,
Que tendes demais!
Aproveitai comigo,
Para limpar o intestino,
Que sou vosso amigo!
Ganhai leveza,
Livrai-vos dessa flatulência,
Que vos bate na fraqueza,
E vos afecta a inteligência!

Os especialistas do social,
A tentarem fazer-me mal.
Os especialistas do "torcicolismo",
Do salto à retaguarda em mortal.
Os especialistas no diletantismo,
As enguias profissionais,
As trepadoras de escalas sociais!
Os pelintras com toques de abastança!
Os ilustres, que de grandeza,
apenas tem a pança!
As sumidades de parcas vistas,
que se somem na estreiteza.
Os que além do papa, são mais papistas!
Os que andam por lá, que a sorte bafeja,
Que Deus, até aos ateus, a todos proteja!

Olhai-me anjo caído e amaldiçoado:
Pela Esfinge quase empedrado,
No peito e no punho cicatrizes,
De batalhas em horas menos felizes.
É comigo que vos quereis confrontar?
É em mim que quereis cuspir? 
Achai-vos capazes de a minha paz dilacerar?
Ou esperais que desate a fugir,
Por não vos querer enfrentar?
Oh pequeninos com dentes de piranhas,
Cheios de artes tamanhas!
Acaso a vossa agitação,
Será capaz de perturbar,
A minha serenidade?
Quem te afoita subserviente cão?
Porque vens até aqui para rosnar?
Gesto de suprema inutilidade.

A minha figura oh pequeninos,
À minha beira sóis meninos,
Birrentos, mimados;
Chamais-me de tudo, seus malcriados!
Dizem que sou pragana, breve poalha,
Bandido salafrário,
Anarquista libertário,
Reles "esquerdalha"!
Vá chamem-me de tudo até à exaustão!
Não escarvem mais o chão,
É escusado!
Ficareis conservadores convictos,
Enterrados no passado.
Nem uma luzinha, ou nobre pensamento,
Que tendes as ideias presas com cimento.

Chamaram-me de tudo, nada mais resta,
Sou campeão do que não presta!
Escapa-lhes a força do meu amor,
A minha figura de Adamastor!
Que para eles apenas se agiganta,
Os confunde e ataranta!
E respiro e estou à tona,
E pequeno como uma azeitona,
Os sufoco, entalo-os na garganta!

2017-04-14

Amargo na boca



Há um amargo na boca,
Um fogo na barriga!
A saudade da amada,
Que pouco nos quis,
Nem soube ser amiga!
Vidas perdidas no vazio,
De quem não soube (ou não quis);
Aproveitar as oportunidades.
Passou correndo, água de um rio.
Talvez não estivesse esfomeada,
De afectos, de paixão, de amor!
E se pudesse dar ao luxo de desperdiçar.
Jardim sem flor...
Ou esteja por demais habituada,
A fazer dos outros desperdício,
Do seu amor próprio, mais dada,
A um platonismo confortável.
Como as crianças sem amigo,
Que às vezes se lembram,
De brincar com o brinquedo antigo.
E só, mais só do que antes,
Porque nunca fomos amantes,
Ter de transformar a solidão em força.
Uma que resista a todas as mortes,
Enquanto a definitiva não chega.
Ser sábio é um busílis!
Descarregar a bílis,
Que esta vida tão oca,
Dá um amargo na boca!

2017-03-11

Partir



O crepúsculo é a única coisa,
Verdadeiramente dourada,
Que nos inunda a alma;
Quando ainda temos uma!
A música às vezes,
Deixa tocar a transcendência!
Os sonhos e o amor,
São engodos;
Para resistir à loucura de existir!
Há sempre uma hora de partir.
Um tempo em que não podemos ficar...

2017-02-03

P'ra nada!



Por mais que eu queira,
Não há maneira,
De quebrar a maldição,
De ter vindo em vão.
Talvez a vida se queira ligeira,
Já que a existência é passageira.
Dizem-me que não  faz mal,
Faz parte  do ciclo natural.
Mas a mim, sabe-me mal!
Agarrei-me à vida à dentada,
E sei e sinto, foi p'ra nada!

2017-01-07

Ser ou não ser




Dizem que sou poeta.
Poeta não sou, não...
Que não me movimento
Pelo meio dos fabricantes de talento,
Dos fazedores de opinião,
De quem por artes mágicas,
Do seu largo traseiro,
Faz uma fonte de dinheiro!
Ou das que mesmo escrevendo mal,
Fazem sucesso na horizontal!