2014-12-27

Enjaulado




Sou o calhau no leito do rio,
E mais alguma coisa que não sei.
O animal enjaulado e com cio.
A ave cujo voo nunca dei.
Sei que sou a minhoca,
Ou a toupeira que cava a toca.
Fujo da luz, e já nem sei;
Se de tanto fugir já ceguei!
Quem me diz o que sou?
O caminho por onde vou?
E se não disserem nada,
Isto mesmo assim, não acaba!
Talvez me perca dentro de mim;
E pinte as coisas em tons de cinzento.
Há-de chegar um dia, o fim;
E irei, irei sem um lamento.

2014-11-06

Em bando









Centenas de pássaros em bando
Todos fazendo coro, um só cantando
Um à frente, os outros seguindo atrás
Na mudança, preferem a paz
Mas para a maioria tanto faz!
E se em bando tiverem de ir,
Que haja alguém à frente a quem seguir!
E não importa o tom do canto,
Não haja é tristeza, nem pranto;
Grito de Liberdade, ou o que seja!
Seja tudo com ordem, nada à toa!
Que a vida quer-se alegre e boa,
E o que for, venha de bandeja!

2014-04-25

Abril de águas mil



Este Abril traz águas mil
Nos rostos de quem já não trabalha
De quem perdeu a casa
De quem não tem pão
Para dar aos filhos
De rostos tristes

Abril de águas mil
Nos rostos dos soldados
Que sentem perderam a batalha
De velhos que só vêm morte
Jovens sem sorte
Dos outros todos
Que acham que não há nada que nos valha

Abril de águas mil
Nos rostos das mães
Que se culpam
Por não haver futuro
Para os seus filhos
Nem reformas
Para os pais

Abril de águas mil
que não faz germinar
nenhuma semente
E apenas nos leva a escutar
quem apenas nos mente
profissionais vendedores de ilusões
trazendo chuva, tempestade e trovões

Abril de águas mil
Que os sonhos findou
Pedaço de terra, que se tornou
Súbito paraíso de banqueiros
de traidores por trinta dinheiros
de fraternidades criminosas
cada vez mais poderosas

Abril de águas mil
que esquece pátria e nação
e que ao invés dá guarida
a tudo quanto é ladrão
Esperança ferida
Onde a chuva de Abril
Apenas faz crescer a corrupção

Abril de águas mil
que apenas traz apatia
perda de soberania
um povo em desalento
sem memória nem alento
esquecendo a sua história
Os seus igréjios avós
Um povo sem voz

Abril de águas mil
onde a esperança morre
como a água que escorre
naufrágio solidário
onde apenas fica
o sofrimento diário
de quem não pode fugir

Abril de águas mil
parado na cruz
onde não há salvação
fazendo jus
à ânsia de um Sebastião
e nada muda enquanto se espera
velas sem vento
povo sem alento

Que o Abril de águas mil
Possa lavar os rostos cansados
Os que põem a corda no pescoço, desesperados
Que os campos possam de novo florir
Em verdadeira resurreição primaveril
Em flores rubras de fogo nacional
E possa incendiar este nobre povo
Finalmente decidido a por fim ao mal
Anunciar aqui ao mundo, um mundo novo!



2014-04-24

Já que não pode ser...

Sou como um vulcão!
Tanto quero amar,
Tanto amor para dar!
Deixar livre, correr paixão,
Que me sinto a rebentar!
Pobre do meu coração,
Que tanto se quer entregar!
E é tão triste não poder...
Ter assim que me conter.
Dizem que o que faço,
É ser devasso,
Comportamento aberrante,
Demasiado moderno!
Assim como é, é sufocante!
Eu que almejava ser eterno,
Agora aqui e neste instante;
Vencido me declaro, que o mal vença!
Já que amor desmedido,  não pode ser,
Não me faz diferença,
Não me importo de morrer...


2014-02-15

Tristeza



Preciso desta dor na alma para saber que existo
Pó que sopra no vento do tempo, bruma de existir
Ser apenas só e todo teu, não poder fugir
Palavras de amor eterno riscadas num pedaço de xisto
Sinto que tudo passa, tudo acaba por passar
Menos este intenso desejo de te ter, a ti amar!
Mas que importa ao universo quem somos, o que queremos?
A vida é agora, presentea-nos com o que temos!
Nunca nada de mais, nem nada de menos.
E o desejo esse é infinito, neste grito aflito
Que me rasga o peito na ausência de ti
Pedaço de mim, pertença minha, que não está aqui.
Não importa nada ao tempo que passa, esta agonia
Nem se este meu inflamado amor cresce em cada dia
As minhas mãos vazias do teu corpo apetecido
Este peso em mim de não ser tudo, apenas vencido
Derrotado, atirado ao tapete, cansado coração
Batendo à toa, nesta arrebatadora paixão
E demoras, não vens que não sinto o teu perfume
Arrasto-me, louco por ti, aqui escrevo o meu queixume
Este constante a ti lembrar somente,
O apenas sonhar-te me faz contente
Sermos nós dois, o desejar-te a comer à minha mesa
Sou e sinto, sou vulcão extinto, a chorar de tristeza

2014-02-07

Lugar de Bicho


Cheguei-me à luz, mostraram-me o céu!
Fora de mim, fiquei deslumbrado;
Pensei que era meu.
Escarvei o chão, qual touro libertado!
Mas lá, não anda solta nenhuma besta.
Foi curta a minha festa!
Rostos angelicais,
Explicaram-me que estava a mais.
Aquele não era o meu lugar,
Não me sabia comportar,
Portara-me mal!
Procurei explicar que estava feliz,
Cheio de força e de vigor!
Meteram-me o dedo no nariz,
Que não compreendia o amor,
E que no final,
Onde deveria estar,
Ao invés de os importunar,
Era no lugar infernal,
Onde acabam a arder,
Os que não sabem viver!
Isso diziam, era um facto:
Eu era um bicho do mato!
Pedra tosca por polir.
E assim sendo, podia partir!
Aceitando seu aviso terno,
Éis-me a caminho do inferno.
Igual ao touro que se abate,
Espero por quem me mate;
Que lugar de bicho,
Depois de morto, é no lixo.

2014-02-06

Ver o mundo a mudar sentado no sofá


Não sei se antes de nascermos estamos a dormir
E depois ao nascer nos acordam para este devir
Contudo andamos por cá, a tentar despertar
Sentados no sofá, a ver na TV o mundo a mudar
Talvez devesse vencer a inércia e lutar
Tornar o mundo um lugar melhor de se viver
E não apenas passar por aqui, até morrer
Dizem que a apatia nos apanha e congela
E não lutamos, ficamos presos à vida bela
Os comodismos e confortos a ganhar espaço
O mundo perde o brilho fica baço
Mergulhado em diversas crises e pecados
E tudo que fazemos é ficar especados
Vendo acontecer, espectadores passivos
Afinal, mais mortos que vivos!

2014-02-03

Triste agora


Por entre a cinza e o cinzento
O cheiro pardo de jornal molhado
O ontem foi só um momento
Para aqui termos chegado

Não sei nada, do que pergunto
Ninguém quer saber
Esgota-se o assunto
É para morrer

Creso queria engolir o mundo
Como os imperadores de agora
Caiu, mergulhou fundo
Sonho desfeito, foi embora

Espreguiça as asas largas
Olha na distância o horizonte
Já não tardas
Voas em direcção da fonte

E o que esperas, já não espera
Se foi, então já era...
Um passo em falso, uma demora,
Já foi tudo, só resta o agora...


(confesso que foi a música que inspirou o poema. Talvez queiram lê-lo enquanto escutam)

2014-02-01

Amarra-te a mim!



Quando tudo o que te enche for a solidão
E pensares que não vives em nenhum coração
Quando olhares e o teu olhar for vazio
E sentires que se escoa  a tua vida feito  um rio
Chama por mim! Chama por mim!

Quando andares aos tropeções
Na ressaca das passadas paixões
Pensando que não há lugar para ir
E que é agora que te vais deixar cair
Encosta-te a mim, encosta-te a mim!

Quando a vida te parecer dura
Sem afecto nem ternura
Todos os lugares feitos de nada
Companhia que te enfada
Abraça-te a mim! Abraça-te a mim!

E quando o horizonte ficar escuro
E já não te sentires seguro
Para que os vendavais da vida
Não te levem de vencida
Amarra-te a mim! Amarra-te a mim!

2014-01-27

Mãos vazias



Seguro os meus dias
Nas minhas mãos vazias
Não são mais meus
Agora todos são teus

Diz-me se os queres
Irei por onde quiseres
Senão lança-os no fundo
Esquecidos do mundo

Sou filho de nenhum lugar
Pássaro, feito para voar
Pés presos no chão
Na vida, em contra-mão

Vem o meu nome chamar
Estender a tua mão tão doce
Quem dera que eu não fosse
Querer ser tudo por te amar

Sou em tudo contradição
Monte sereno e vulcão
Ando com pés de chumbo
Aqui aguardo o fim do mundo!

2014-01-15

Acordar cansado


Pela manhã, acordo cansado,
E nem é pelo peso dos dias.
Coisas do presente com passado,
Que me roubam as energias.

Querer ficar perto e ter de partir,
Abrir a boca, dizer o que se tem.
Fazer parecer que tudo está bem.
Por dentro desfeito, por fora sorrir.

As lutas e os dilemas,
Os dramas nunca idos.
Mas agora não temas;
Estão todos resolvidos!